06.05.2021
Portfólio Laranja apresenta: Crescer a Sentir
A Rita Pinheiro e a Carla Ferreira estão no Cowork Torres Vedras desde sempre, não fosse a Rita uma das cocriadoras deste espaço e uma das mais convictas defensoras de trabalho em rede.
Amigas e psicólogas de formação, partilham uma grande admiração uma pela outra e pelo projeto “Crescer a Sentir”, o programa de Educação Emocional que têm entre mãos e que descrevem com um entusiasmo contagiante! 🤗
O que começou por ser o projeto paixão da Carla é, oito anos depois, um programa consistente e reconhecido nas comunidades educativas onde está presente. Antes da covid19 lhes trocar as voltas, o “Crescer a Sentir” estimulava a consciência e a auto-regulação emocional junto de 300 crianças de 10 Jardins de Infância locais, numa parceria transversal a três Agrupamentos Escolares e a três IPSS.
Não baixaram os braços! Neste momento a equipa é composta por três pessoas em adaptação e reinvenção permanentes. 👏
Em que circunstâncias é que os vossos caminhos se cruzaram?
Rita Pinheiro (R) – Conhecemo-nos a nível pessoal através da rede de amigos e depois a nível profissional ambas “mergulhamos” na Rede Educação Viva, em formações e encontros com famílias e professores em torno de práticas pedagógicas inovadoras. Também nos cruzamos em projetos de Educação pela Arte, …. Conhecemos a bagagem uma da outra e identificamo-nos muito a nível de valores. O que mais me encantou quando conheci a Carla foi a relação que ela tem com as crianças. Há uma criança muito viva em cada uma de nós e uma vontade adolescente – mas muito consciente – de trabalhar a relação, a empatia. Temos ambas paixão e inquietação em torno deste tema.
Carla Ferreira (C) – Assim que nos conhecemos ficou logo o bichinho de trabalharmos em conjunto! Quando conheci a Rita fiquei apaixonada pela forma como olha as pessoas e tenta trazer ao de cima o que cada um tem de bom. Daí ao trabalho conjunto no “Crescer a Sentir” foi um processo muito natural e espontâneo uma vez que temos a mesma perspetiva sobre Educação. Eu estava a fazer nascer o projeto e a Rita disse-me que acreditava na ideia e queria ajudar a fazê-la crescer. Quando a Rita entra, o projeto ganha em estrutura e em ferramentas. Ao encontrar alguém que aceita a tua forma de estar e te complementa só há mesmo esta forma de crescer… crescer a sentir!
Como nasceu o “Crescer a Sentir” e porquê?
C – O projeto piloto nasceu em 2013 no Jardim de Infância da Boavista, na freguesia da Silveira. O objetivo era ajudar crianças a crescer de uma forma preventiva, ou seja, intervir quando as problemáticas ainda não existem. Para isso, começou-se a trabalhar na interiorização e desenvolvimento de competências a que chamamos de FÉ – Ferramentas Emocionais, que no fundo são competências chave no âmbito da saúde mental e do bem estar emocional e social que ajudam no dia a dia das crianças e dos cuidadores emocionais. Durante muito tempo foi dado mais enfoque à aprendizagem formal e o que sabemos hoje é que é precisamente o desenvolvimento emocional que suporta todo o processo de aprendizagem mais cognitivo, mais formal.
R – Quando me juntei ao projeto já existia um mundo de coisas feitas em alguns contextos educativos e uma grande valorização desse trabalho por parte da comunidade educativa. O que fizemos a partir daí foi trazer mais ferramentas, complementar o que existia e continuar a aprender. Aliás, o nosso percurso é marcado pela humildade em torno da aprendizagem. Talvez porque nascemos do terreno, da experimentação e da tentativa/erro. Definimos o “Crescer a Sentir” como método experimental e não como algo finalizado.
Quem é o vosso público e de que forma chegam até ele?
C – Trabalhamos com crianças entre os 3 e os 10 anos, mas sobretudo no pré-escolar. Intervimos em contexto escolar com infusão curricular, isto é, integramos a Educação Emocional nas áreas curriculares formais, através das Educadoras. Vamos a cada escola uma vez por semana e durante o tempo em que lá estamos as crianças já sabem que aquele é o momento de partilharem os seus conteúdos emocionais e de olharem de outra forma para as suas emoções e para as dos outros. Temos um conjunto de ferramentas base – músicas, personagens, dinâmicas – que apresentamos ao grupo de acordo com as suas necessidades e interesses próprios e que depois, com as nossas antenas intuitivas, vamos cocriando com eles. Ajudamo-los a lidar com questões de conflito, partilha, zangas. Às educadoras, que acompanham todo este processo, é dada a oportunidade de conhecer o grupo de outra forma e interiorizar estratégias para lidar com os desafios diários de uma forma mais lúdica e criativa.
R – As educadoras acompanham-nos ao longo do ano, são o nosso par pedagógico. Existem momentos de preparação e de reflexão que ocorrem na escola, em contexto, e de forma adaptada às rotinas. Com as famílias, que são outro eixo central, reunimos também com regularidade.
Na vossa opinião o que é que distingue o “Crescer a Sentir”?
C – O facto de nascer de dentro para fora, baseado na experimentação e na confiança que as primeiras educadoras – a Helena Branco e a Teresa Bártolo – depositaram em nós. Depois, o ter componentes complementares: expressão musical, expressão artística, expressão corporal, promoção da participação ativa das crianças..
R – Para mim o que é fantástico é sobretudo a resposta de primeira linha, a intervenção com idades mais precoces, os 3 e os 4 anos. Não existem muitas respostas dirigidas a estas idades. E isto tem a ver com a questão de como chegar lá. Trabalhar as emoções aos 3/4 anos implica etapas de maturidade emocional em que aprendemos a etiquetar, a dar palavras, mas tudo é ainda muito sensorial, de prazer e desprazer. O que nós criamos é uma alavanca para que eles encontrem o vocabulário para a sua emoção. Eles aumentam imenso esse vocabulário emocional e acabam por se expressar mais.
A covid19… veio alterar os planos?
R – A pandemia tornou mais evidente a pertinência do que fazemos. A nossa intervenção presencial parou e percebemos a necessidade prioritária de dar espaço aos adultos para abordar as emoções em emergência. Por isso, logo no primeiro confinamento, fomos criando uma comunicação digital que fosse essencialmente inspiradora para pais e famílias.
C – Fizemos também o podcast “Emoções em Emergência”, sugestão da Joana Tiago que também integra o projeto. E neste segundo confinamento surgiram os encontros via zoom que estamos a dinamizar com os pais do Jardim de Infância do Sarge e da Creche Bolinha de Neve. É curioso como é que a pandemia despertou um bocadinho mais de proximidade. As próprias escolas sentiram esta necessidade de ajudar os pais a compreender como gerir emoções e os desafios do presente. Tem sido uma espécie de grupoterapia parental. Estamos a pensar avançar desta forma para as restantes escolas onde tínhamos presença física pois conseguimos perceber que há essa necessidade e que há interesse.
R – Outro grande desafio da pandemia foi ter coincidido com o início do processo de validação empírica e científica ao “Crescer a Sentir” que estamos a realizar com o William James Center for Research, do ISPA. Iniciámos a investigação sem a presença física nos contextos, o que nos condiciona, mas estamos a articular com a equipa, a partilhar informação e a avaliar e esperamos, em breve, ter uma maior população de análise.
Como é trabalhar no Cowork Torres Vedras?
C – É ter um mundo de oportunidades e de resposta às nossas necessidades. É uma rede de contactos. Já colaboramos com uma coworker que criou o logotipo do projeto, por outro lado o Cowork já apoiou, a nível de espaço, a realização de algumas formações onde estive envolvida. Depois, a nível da nossa prática clínica, os pais que recebemos adoram o espaço. Isto é uma casa, sentem-se à vontade. Não é aquele contexto clínico intenso, duro, às vezes pesado. Aqui há um ambiente muito descontraído!
R – Partilhamos um gabinete privado que é onde trabalhamos e realizamos a nossa prática terapêutica e onde recebemos famílias e crianças. Há diversidade e privacidade. Tudo o que é necessário. O que traz um bem estar muito grande. O Cowork é uma rede de pessoas talentosas, digo sempre isto. Há um respeito tremendo por todas as diferenças profissionais que aqui temos e todos têm um lugar. E quando há esta ligação, o caminho só pode ser de crescimento…
E há histórias engraçadas por contar…
R – Eu tenho uma mesmo engraçada, que já tem uns anos. Estávamos aqui no cowork a realizar uma formação de artes circenses com famílias e o ambiente era muito intenso mas com momentos bastante divertidos. Uma pequena de 5 anos, com as suas canetas, fez uma pintura na parede, gigante, sem que déssemos por isso. A pintura era abstrata… mas levava-nos para lugares que às vezes os adultos levam! E o espírito do cowork, de liberdade e inclusão deu nisto: rimos muito e encontramos, em conjunto, uma solução para transformar o desenho. Portanto as crianças produziram, foram criativas, e nós acabamos por dar a volta à situação.
C – O nosso projeto começou em 2013, estamos agora em 2021. Quando recebes mensagens de pais a dizer “o meu filho ainda guarda o boneco das preocupações debaixo da almofada”… é muito gratificante.
O Portfólio laranja é um rúbrica de pequenas entrevistas através da qual pretendemos dar a conhecer as pessoas e os projetos que fazem parte da nossa comunidade, expressando assim a diversidade que nos caracteriza.
Continua a explorar:
– Página de Facebook do Crescer a Sentir
Fotografias: Crescer a Sentir e Cowork Torres Vedras