04.09.2020

Opinião: a vida é um enorme baloiço

O que nos faz avançar? O que nos faz mudar? O que nos motiva a arriscar? Estas são perguntas que todos nós, algures na vida, de forma mais ou menos profunda, já nos deparamos… Acrescento mais uma, que deveríamos ter sempre presente e não só quando somos empurrados para ela, provocados por alguma crise existencial ou uma pandemia como a que estamos a viver, que é o que nos faz parar?

 

É no parar, permitindo a respiração de um não-lugar no tempo, instalando um vazio de abertura para o ser, para o novo, que nos reconectamos, travamos o rumo de alguns acontecimentos, agimos em consonância e ficamos imunes ao efeito bola-de-neve, à reação vertiginosa, face às ameaças exteriores.

 

Seria isso que seria expectável da Humanidade, com um ser que se advoga ser o mais inteligente que já existiu, mas que é capaz de destruir o seu único habitat, trilhando a sua própria extinção e de muitos outros seres e que, mesmo tendo consciência do facto, não consegue parar.

 

Já não é de sustentabilidade que falamos, é de regeneração.

 

Falta-nos empatia? Não conseguimos escrutinar a interdependência entre tudo e todos?

 

É certo que o mundo tornou-se demasiado complexo, ultra-rápido, nesta transição que repousa num limbo de incógnitas urgentes, onde é objetivamente necessária muita coragem e resiliência para lidar com tamanha informação e ainda assim restarem energias para atuar no plano real. Talvez devêssemos colocar a marinar as utopias e concentrarmo-nos mais nas heterotopias de Foucault, esses “espaços” capazes de simultaneamente serem reais e imaginários, “como um navio, um pedaço de espaço flutuante, o grande escape da imaginação.” É neste capítulo de imaginar futuros possíveis, a várias velocidades, que a colaboração entre os cidadãos (de pleno direito), empresas, organizações, grandes e pequenas, enfim todos, deverão fazer-se sentir, inscrevendo o seu lugar no mundo que está aí, em todo o lado. O caminho faz-se, fazendo e acreditando…

 

Temos de alterar também as nossas narrativas, que passam de geração em geração, a história que se esvai num marulhar de vento. Não foi a competitividade que fez o ser humano avançar e inovar, foi a cooperação e a existência de ecossistemas criativos (ver “As Ideias que Mudaram o Mundo – A história natural da inovação”, de Steven Johnson). Deixar de lado as aparências, as geografias, a cor da pele, o poder, as origens… Olhar nos olhos de cada um e dizer “presente”.

 

Se há coisa que aprendi nos meus caminhos pelo mundo, entre projetos, associações, ideias e ideais, foi de que todos, todos mesmo, podemos ter algo a colocar na mesa da criação, se o terreno for propício (e para isso, há que prepará-lo e dar as condições com vista à participação inteira). Se as condições não existem à partida, há que começar por algum lado, por mais pequena ou insipiente que pareça a ação. Se for verdadeira, no íntimo de cada um, capaz de igualmente apaixonar outros no mesmo caminho, ela há-de florescer. Tempo e paciência. Passos e compassos. Sorrisos e mãos.

 

Aqui chegados de novo, ao que me trouxe aqui, ao simpático e amigo convite do Cowork Torres Vedras para que partilhasse alguns dos propósitos que estiveram por detrás do ciclo temático de cinema online Parar para Pensar do Café com Filmes (inserido no Programa Emergência Cultural de Torres Vedras), arrisco dizer que são o pergaminho que trago pela vida fora e que agora vieram em catadupa ao de cima.

 

Foi difícil encaixar a solução, foi preciso reinventar. Depois de 10 anos a “convencer” as pessoas para saírem de suas casas, criando uma pequena comunidade de cinema presencial, nutrindo-a com olhares sobre o mundo, instigando às conversas partilhadas, ficava agora esta relação confinada aos pequenos écrans individuais. Mas com recurso às parcerias, aos amigos, à boa vontade das instituições e à navegação que foi feita sem rede, mas muito atenta ao que ia acontecendo e que foi sendo plasmada em cada uma das 6 sessões que ocorreram entre abril e julho, observo a esta distância que, mais do que os filmes em si, foi a novidade dos vídeo-comentários dos convidados, trazendo reflexões adicionais, intenções e iniciativas de norte a sul do país, que fizeram a diferença.

 

A pandemia trouxe muita coisa, nalguns casos, o melhor do ser humano… é bom lembrar isso também.

 

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Artigo escrito por Gonçalo Oliveira, caminhador de perguntas e lançador de sonhos a tempo inteiro (desde 2008 voltou a Torres Vedras e encontrou porto de abrigo no ATV)

 

A convite do Gonçalo, o Cowork Torres Vedras participou na 6ª sessão do ciclo temático Parar para Pensar, do Café com Filmes, no âmbito do filme “Artistes de la Vie” e dedicado ao tema: Novos Começos, Mudanças, Histórias de Vida, Cooperação. Registo de todas as sessões aqui.

 

 

 

 

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